sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Anacronismo domina campanhas na internet

O primeiro debate no Brasil entre candidatos à Presidência transmitido somente pela internet foi realizado na última quarta-feira, 18, promovido pelo site UOL e pelo jornal Folha de São Paulo. Segundo os organizadores, o acesso aos dois sites oficiais que promoveram o confronto (UOL Notícias e Folha.com) cresceu 350% durante o debate, que reuniu José Serra, Dilma Rousseff e Marina Silva e foi visto por internautas de 127 países, contabilizando quase um milhão e meio de cliques nas três horas do embate político. No Twitter, a tag #debatefolhauol foi usada 51 mil vezes e chegou ao topo dos assuntos mais comentados no mundo.

O sucesso e a repercussão do debate somados à preocupação dos candidatos de marcar presença na rede mundial de computadores, inclusive com vários sites voltados para objetivos diferenciados de campanha, mostram sem dúvida alguma que a comunicação política brasileira avançou pelo terreno virtual, do qual não pode mais prescindir.

Em busca dos mais de 65 milhões de brasileiros conectados à internet, a campanha de José Serra, por exemplo, possui, além do site oficial, o Sou Serra, um tipo de rede social em torno da candidatura, e o interessante Proposta Serra, onde o cidadão pode criar um perfil e debater o programa de governo do candidato para a Presidência. Há vídeos sobre Serra postados no You Tube, um twitter da campanha e outro do próprio candidato e uma página no Facebook.

Dilma, da mesma forma, possui, além do site oficial, por onde, por sinal, aceita doações, uma página no Orkut e outra no Facebook. A candidata também está no You Tube, no Flickr e no Twitter.

Marina Silva, que também arrecada via internet, segue o padrão: site oficial, blog, twitter e orkut.

No entanto, apesar das múltiplas opções e plataformas, as campanhas dos principais candidatos na internet têm sido marcadas por um anacronismo clássico do uso recente de uma nova plataforma de comunicação. O ponto principal é o da inadequação da linguagem. Um dos problemas mais graves no uso da internet feito até então por políticos brasileiros, e nisso se encaixa em geral o uso que a campanhas à Presidência têm feito da internet, pelo menos até então, é o da inadequação da linguagem ou o uso de uma comunicação típica "de massa" para um ambiente comunicativo diferenciado.

O fato de que as campanhas na internet ainda se mantenham prioritariamente focadas na pessoa do candidato é o ponto principal que reforça essa impressão de inadequação. Serra, Dilma e Marina na internet ainda se posicionam como "falantes" para uma "massa", usando simplesmente o ambiente da www para veiculação dessa "fala". Todos os sites, blogs, twitters e rede sociais são centralizados na pessoa dos candidatos e em geral ganham o nome do mesmo. Todos sem exceção servem muito mais, assim concebidos, para reunir partidários das próprias campanhas do que efetivamente angariar novos eleitores.

Somos muito habituados ao "modelo tubular" da comunicação de massa, por meio do qual um pequeno grupo se expressa para uma massa receptora. Levar essa mesma linguagem para a internet tem sido um erro claro e constante no uso da rede por políticos brasileiros, e há algumas pistas sobre como lidar com isso na prática.

Na internet, a mobilização é produto de um discurso construído por vozes múltiplas em cima de "causas", não de políticos. Diferentemente da comunicação de massa tradicional, a internet não é o local, pelo menos no que diz respeito à mobilização, para o discurso de uma via apenas. O discurso tem que ser contruído em conjunto. Ou seja, o usuário deve participar da construção do discurso. Como fazer isso?

Um bom exemplo foi a campanha de Antanas Mockus, na Colômbia, com plataformas que se transformam em grandes movimentos. O slogan "A vida é sagrada", colocado no contexto colombiano, teve um efeito arrebatador entre os jovens. A plataforma altruísta que ressaltou a importância e a seriedade do voto também. A questão é que a própria campanha tem que ser repensada para a internet. Como a linguagem é outra, não adianta adaptar os slogans e as propostas para a internet, é preciso criar algo específico para o ambiente.

Outro ponto importante é a relação da campanha na internet com a mídia de massa tradicional. Tratadas como mídias diferenciadas, que necessitam de discursos e abordagens específicas, a internet e a mídia de massa tradicional devem ser pensadas como complementares pela comunicação política, e não como disseminadores diferenciados de uma mesma mensagem. Um movimento temático na rede mundial de computadores deve, para existir, estar ligado a um acompanhamento midiático de massa tradicional. Caso contrário, perde-se no amaranhado de informações sem credibilidade da rede. A jovem internet ainda necessita da velha mídia de massa para se legitimar socialmente. 

De qualquer forma, o que fica claro é que não se trata de fazer propostas. Não se trata de explicar e propor, mas de debater e, principalmente, lançar movimentos, e movimentos os quais muitas vezes ninguém é contra. Ninguém é contra a vida, a educação, a saúde. Lançar movimentos significa trazer o cidadão para dentro do discurso, mobilizá-lo dentro do contexto social. Na internet, mais importante que um político com todas as respostas, o que soa muitas vezes anacrônico e defasado, é um político que levante os assuntos certos, na linguagem certa.

2 comentários:

  1. A campanha do Mockus foi um belíssimo exemplo de como se fazer. Infelizmente fica a sensação de que, no Brasil, a coisa ainda vai demorar um pouco para andar.

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  2. Não mencionou o Plínio, que tem usado (e bem) o Twitter. Pra variar, mais uma vez defenestrado do debate.

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