quinta-feira, 28 de junho de 2012

O Brasil e a "crise" no Paraguai

Diplomacia brasileira aproveita a situação para marcar espaço de influência na região


Uma semana depois do impeachment do presidente do Paraguai Fernando Lugo, destituído do poder na sexta-feira (22/06), a "crise" no país vizinho quase não ocupa mais, ao menos na grande imprensa brasileira, o espaço reservado às manchetes. Apesar de legal - ao que tudo indica - do ponto de vista jurídico, mas ilegítimo do ponto de vista moral, o processo de impeachment vai ficando para trás e a situação tende a se normalizar. Afinal, o novo presidente Federico Franco governará somente por 14 meses até as próximas eleições, em agosto de 2013. Até lá, o governo paraguaio deve ser alvo de boicotes e protestos políticos e, no máximo, de declarações relativamente mais agressivas de Argentina e Venezuela.

Para o Brasil, o evento foi muito mais uma oportunidade do que um problema. Há poucos anos, não seria surpresa se a condenação primeira e principal do ocorrido viesse de Washington e não de Brasília. Desta vez, o país assumiu claramente uma posição de hegemon regional e tomou as rédeas da reação ao impeachment, sem deixar um vazio que pudesse ser ocupado pela diplomacia americana. Tal tomada de posição sem dúvida alguma procura constituir e mesmo consolidar a América do Sul como espaço de influência brasileira e quebra a perspectiva tradicional, ao menos nos Estados Unidos, de ver o país norte-americano como a grande liderança de todo o Hemisfério. Nesse contexto, declarações de Argentina e Venezuela podem ser mais agressivas, pois os países de fato disputam o lugar de potência de segunda classe no continente.

O passo estratégico brasileiro não somente condiz com as capacidades do Brasil em relação ao contexto regional como ainda reforça um elemento ideológico importante de defesa da democracia na América do Sul. No entanto, toda liderança tem seu preço e com o Brasil não será diferente. A consolidação do espaço de influência brasileira na América do Sul traz, por exemplo, a enorme responsabilidade da contenção, de modo que a posição privilegiada não sirva de instrumento para a opressão de outras populações e culturas sob o pretexto do "interesse nacional". Ao mesmo tempo, o discurso em defesa da democracia só terá realmente legitimidade quando não escolher tanto seus alvos.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Por que a Rio+20 não deu certo

Não foram só os problemas econômicos. O modelo decisório e a crise na geografia da representação política no planeta também contribuíram para o fracasso da conferência.

Ao fim da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, realizada no Rio de Janeiro entre os dias 20 e 22 de junho, a Rio+20, o governo brasileiro comemorou a assinatura de um documento conjunto, enquanto as organizações não-governamentais que participaram do encontro e a própria cúpula das Nações Unidas fizeram coro em criticar o texto final. Nesse contexto, se Brasília tem suas razões para festejar, dado o processo dificílimo de negociações envolvendo um consenso quase impossível entre mais de 190 países, as reclamações da sociedade civil são absolutamente legítimas, tanto em função do custo-benefício de um encontro como este, como no que diz respeito à gravidade da questão e a dificuldade de se avançar internacionalmente no tema.

De fato, alguns fatores contextuais contribuíram para o impasse. A crise econômica na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, certamente teve seu efeito. Em momentos como este, as negociações políticas internas ficam mais acirradas e tendem a ser mais polarizadas e complicadas que em tempos mais fáceis. Além disso, o comprometimento material dos países fica, claro, mais limitado. Mesmo assim, não foi só a crise que atrapalhou. Pelo menos outros dois fatores incidiram contra um acordo comum mais ambicioso.

O primeiro deles é o próprio modelo decisório em torno da questão, que exige o consenso de quase 200 países, com posições muito diversas. Um acordo que tenha o comprometimento de nações tão diferentes como Albânia, Bélgica, Butão, China, Nepal, Brasil, Filipinas e Estados Unidos, para citar apenas algumas, tende a ter dificuldade em superar princípios gerais. Não à toa, as negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio, que seguem o mesmo princípio, também estão emperradas e um dos principais avanços celebrados na Rio+20 foi negociado por 59 prefeituras de grandes cidades do mundo, que se comprometeram a reduzir em até 248 milhões de toneladas as emissões de gases de efeito estufa até 2020.

Outro problema a negociações do tipo da Rio+20 no cenário contemporâneo é o da crise na geografia da representação política no planeta, que fica ainda mais notória quando estão em questão temas nos quais as externalidades, ou seja, os efeitos extra-nacionais causados por alguma nação, não são desprezíveis - como é o caso clássico do meio ambiente.

Como identidades nacionais e o próprio nacionalismo ganham significados específicos por meio de processos discursivos, o conflito de paradigmas nesse terreno implica no surgimento de novas identidades e novas formas de pertencimento que não necessariamente obedeçam ao hegemonismo da perspectiva  nacional. Nesse contexto, exatamente como aconteceu no Rio, os anseios da sociedade civil e as capacidades dos Estados nacionais tendem a caminhar em direções opostas.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Exclusão digital e a calcinha de Rafinha Bastos

Dois textos chamaram atenção nas reuniões do Grupo de Trabalho de Comunicação e Política, durante o encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós), nos dias 13 e 14 de junho, em Juiz de Fora. O trabalho do professor Francisco Paulo Jamil Almeida Marques, "Democracia online e o problema da exclusão digital", foi escolhido o melhor pelo GT, ganhando uma estrela como distinção. O do professor Luis Felipe Miguel, "Rafinha e a calcinha", foi certamente o mais polêmico. O primeiro faz uma discussão crítica não-militante sobre a linguagem acadêmica em torno da exclusão digital. O segundo, um debate corajoso sobre os limites do controle político à liberdade de expressão, em cima dos casos Rafinha Bastos e Gisele Bünchen.


"Democracia online e o problema da exclusão digital", de Francisco Paulo Jamil Almeida Marques: "O trabalho examina alguns dos argumentos fundamentais que envolvem o tema “exclusão digital” com o objetivo de avaliar os limites que tal dificuldade impõe aos projetos de democracia online. Primeiramente, a partir da revisão de literatura que delineia a interface entre internet e democracia, são discutidas as transformações conceituais e interpretativas concernentes à idéia de digital divide. Em seguida, o texto apresenta os diferentes tipos de desigualdade identificados por diversos autores quanto a aspectos técnicos, individuais e geográficos. Reflete-se, então, acerca dos efeitos da exclusão digital sobre as experiências de democracia online. Conclui-se que a questão da digital divide (a) precisa mais do que políticas governamentais para ser tratada adequadamente; (b) depende de fatores contextuais, a exemplo da disposição pessoal dos usuários; (c) e que, do ponto de vista epistemológico, este é um conceito “móvel”, esquadrinhado de acordo com o contexto tecnológico vigente".

"Rafinha e a calcinha: A expressão pública, seus limites e os limites dos limites", de Luis Felipe Miguel: "Dois episódios ocorridos em 2011, no Brasil, obtiveram notoriedade por colocar em rota de colisão a liberdade de expressão e o combate ao sexismo: uma piada sobre estupro do humorista Rafinha Bastos e uma propaganda de roupas íntimas na TV. O paper discute os dois casos, reconstituindo a polêmica e os argumentos mobilizados pelas posições em conflito. Conclui que, em ambos os casos, restrições à expressão se justificam, mas por motivos diferentes: a incitação ao ódio, num caso, e o baixo valor social da publicidade comercial, no outro".  

domingo, 10 de junho de 2012

XXI Encontro Anual da Compós


Dos 10 trabalhos apresentados no Grupo de Trabalho de Comunicação e Política, sete analisam questões envolvendo a internet. Os debates ocorreram em quatro seções, manhã e tarde de quarta e quinta-feira, 13 e 14 de junho. Os textos debatidos foram:

"Petições públicas e batalhas digitais", de Alessandra Aldé e João Guilherme Bastos dos Santos: "Ferramenta clássica para pressionar governos e propor mudanças na legislação, a petição pública revitalizou-se com a internet, ampliando seu alcance e capacidade de mobilização. Este trabalho aborda as petições públicas online a partir do estudo das duas plataformas de abaixo-assinados mais populares no Brasil: o Avaaz, um site internacional com coordenação centralizada, e o Petição Pública Brasil, onde qualquer usuário pode hospedar e promover petições. Escolhemos como caso emblemático a publicação de petições, nos dois sites, no primeiro semestre de 2011, contra e a favor da Proposta de Lei 122/2006, que criminaliza a homofobia. A partir da observação sistemática de 35 petições, é possível indicar a importância da superposição e uso de mecanismos de circulação da opinião, como redes sociais, twitter e outras formas de mobilização, dentro de fora da internet, para direcionar signatários, através de links, para estas petições. Em ambos os casos, a internet apresenta-se como um ambiente que favorece a agregação e visibilidade da opinião dos cidadãos, embora não avance muito na deliberação subjacente".

"Relações entre representantes e representados no Twitter: Os perfis de presidentes latino-americanos e a construção de uma agenda de pesquisa", de Paulo Roberto Figueira Leal e Patrícia Gonçalves da Conceição Rossini: "A participação crescente de atores políticos (governantes e candidatos, por exemplo) nas mídias sociais da internet pode representar uma mudança na relação entre representantes e representados? Além de funcionar como canal alternativo e direto de comunicação para os políticos, mídias sociais possibilitam, em tese, a interação entre estes e os cidadãos. A proposta deste estudo é, num trabalho de investigação inicial, apontar como quatro presidentes latino-americanos utilizam o Twitter para se comunicar com os cidadãos. Investiga-se, por meio de análise de conteúdo, em que medida a apropriação da ferramenta nesses casos específicos trouxe resultados de adensamento das interações entre representados e representados ou limitou-se a objetivos pragmáticos de posicionamento de imagem das lideranças".

"Rafinha e a calcinha: A expressão pública, seus limites e os limites dos limites", de Luis Felipe Miguel: "Dois episódios ocorridos em 2011, no Brasil, obtiveram notoriedade por colocar em rota de colisão a liberdade de expressão e o combate ao sexismo: uma piada sobre estupro do humorista Rafinha Bastos e uma propaganda de roupas íntimas na TV. O paper discute os dois casos, reconstituindo a polêmica e os argumentos mobilizados pelas posições em conflito. Conclui que, em ambos os casos, restrições à expressão se justificam, mas por motivos diferentes: a incitação ao ódio, num caso, e o baixo valor social da publicidade comercial, no outro".

"O papel do sentimento e da justificação nas lutas por reconhecimento dos surdos na internet", de Rousiley C. M. Maia e Regiane L. O. Garcêz: "O presente trabalho tem como proposta evidenciar de que forma o sentimento de desrespeito pode motivar lutas por reconhecimento e o engajamento político em questões de uma coletividade. Analisamos as histórias de vida contadas por pessoas surdas em um fórum da rede social Orkut. Conclui-se que a expressão de sofrimentos e danos morais requer um esforço de justificação para que sentimentos individuais alcancem uma semântica coletiva e um quadro de interpretações intersubjetivo e comum, transformando questões antes individuais em uma luta coletiva".

"O jornalismo como gestor de consensos: limites do conflito na política e na mídia", de Flávia Milena Biroli Tokarski: "O paper discute a atuação política do jornalismo, em uma análise que parte da crítica aos efeitos da distinção entre jornalismo partidário e jornalismo profissional. A atuação do jornalismo é partidária, no sentido de que expressa ativamente – e não apenas em posições conjunturais ou disputas eleitorais – uma posição política situada. Ela corresponde à expressão naturalizada de compreensões da política que definem os limites das controvérsias, a agenda e os atores que serão vistos como politicamente legítimos. Ao reproduzir no noticiário as fronteiras da política democrática tal como é atualmente configurada, o jornalismo promove um esvaziamento de conflitos. Atua, assim, como “gestor de consensos”".

"Internet e política em análise: levantamento sobre o perfil de estudos brasileiros apresentados entre 2000 e 2011", Rachel Callai Bragatto, Maria Alejandra Nicolás, Rafael Cardoso Sampaio: "Esse artigo debruça-se sobre a apropriação da temática “internet e política” pelas ciências sociais brasileiras. Para tanto, são analisados 299 artigos apresentados em 11 eventos das áreas de sociologia, ciência política e comunicação social realizados no período de 2000 a 2011 no Brasil. A metodologia baseou-se em uma análise de conteúdo com o intuito de levantar os principais autores, centros de pesquisa, objetos político e tecnológico, abordagens teóricas, métodos, técnicas, áreas de abrangência e conclusões dos artigos apresentados em cada um desses eventos. Por um lado, os resultados indicam inúmeras concentrações e disparidades em relação a autores, instituições e estados envolvidos na pesquisa. Por outro, há evidências de maior consolidação e amadurecimento da área, que está focada em objetos mais específicos e apresenta um crescimento dos estudos empíricos".

"Designing online deliberations using web 2.0 technologies: The Marco Civil Regulatório case", de Fabro Steibel: "This paper evaluates the role of institutions and political practitioners in designing online consultation projects. As a case study we evaluate the Brazilian government-run initiative known as Marco Civil Regulatório, that used web 2.0 tools to draft a bill of law on Internet legislation with the aid of citizen’s participation. This article has three main objectives: (a) formulating hypotheses on what contextual elements favour the launch of online consultations; (b) evaluating how deliberative rules and technology overlap in early stages of policy design; and (c) mapping good practices regarding the mix of different web 2.0 technologies on designing online deliberation experiences for drafting legislation purposes. Findings presented in this article are based on a set of interviews held with policy makers responsible for designing and promoting the aforementioned project".

"Democracia online e o problema da exclusão digital", de Francisco Paulo Jamil Almeida Marques: "O trabalho examina alguns dos argumentos fundamentais que envolvem o tema “exclusão digital” com o objetivo de avaliar os limites que tal dificuldade impõe aos projetos de democracia online. Primeiramente, a partir da revisão de literatura que delineia a interface entre internet e democracia, são discutidas as transformações conceituais e interpretativas concernentes à idéia de digital divide. Em seguida, o texto apresenta os diferentes tipos de desigualdade identificados por diversos autores quanto a aspectos técnicos, individuais e geográficos. Reflete-se, então, acerca dos efeitos da exclusão digital sobre as experiências de democracia online. Conclui-se que a questão da digital divide (a) precisa mais do que políticas governamentais para ser tratada adequadamente; (b) depende de fatores contextuais, a exemplo da disposição pessoal dos usuários; (c) e que, do ponto de vista epistemológico, este é um conceito “móvel”, esquadrinhado de acordo com o contexto tecnológico vigente".

"As múltiplas faces da representação política senatorial durante o HGPE 2010 do Rio de Janeiro", de Carolina Almeida de Paula: "O objetivo do texto é analisar a formação do vínculo de representação política no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) fluminense na campanha para o Senado do Rio de Janeiro. O HGPE enquanto objeto de pesquisa nos estudos envolvendo eleições, e campanhas em geral, constitui-se na agenda acadêmica desde os anos 90. Porém, a atenção dos pesquisadores foi predominantemente destinada à disputa para cargos Executivos. No que toca ao Legislativo as eleições proporcionais foram beneficiadas, deixando uma lacuna em relação ao pleito majoritário senatorial. O paper colocará em debate as seguintes categorias qualitativas no tempo de TV de sete candidatos: (1) os fundamentos do mandato representativo: bases da representação e atuação senatorial; (2) os fiadores do mandato: garantias individuais e coletivas para a sustentação do cargo. (3) o conteúdo do mandato representativo: as propostas e as tarefas assumidas pelos candidatos".

"A quem concerne o plebiscito sobre a divisão do estado do Pará?: Legitimação e contestação do direito à fala em uma comunidade do Facebook", de Ricardo F. Mendonça e Danila Cal: "O texto discute a legitimação ou contestação do direito à fala em um grupo do facebook, criado por ocasião do plebiscito sobre a divisão do Pará. Depois de contextualizar o caso, o grupo sob investigação e a metodologia empregada, o artigo analisa as falas e busca estabelecer alguns paralelos entre os argumentos sobre a legitimidade dos falantes e dois corpos de literatura: (1) a discussão sobre a tendência de formação, na internet, de comunidades like-minded; e (2) os debates atuais em torno do conceito de representação política".