quinta-feira, 26 de setembro de 2013

A miragem da nova classe média latino-americana

Em artigo publicado no Project Syndicate, ex-economista-chefe do Banco Central argentino questiona o sucesso da elevação recente da renda no continente. Para Yeyati, a provisão deficiente de bens públicos é o outro lado da moeda da expansão econômica na região.

O ex-economista-chefe do Banco Central Argentino Eduardo Levy Yeyati publicou, no último dia 25, no site do Project Syndicate, uma análise bastante questionadora dos ganhos na elevação da renda ocorrida recentemente no contexto latino-americano. Segundo ele, ganhos de renda não devem ser tomados necessariamente como aumento do bem-estar da população.

De acordo com o economista, hoje espera-se que novas 400 milhões de pessoas chegarão à classe média no mundo até 2020, somando-se às 1.8 bilhão de pessoas com esse nível de renda no planeta. Mesmo que a ampla maioria dessa nova classe média viva na Ásia, a América Latina também faz sua contribuição. Entre 2003 e 2009, por exemplo, segundo Yeyati, a classe média latino-americana cresceu em 152 milhões de pessoas, totalizando 30% da população no continente.

Tal transformação econômica tem sido apresentada, para o ex-dirigente do Banco Central argentino, como uma prova do sucesso das políticas expansionistas da última década. Entretanto, mesmo que medidas de redução da pobreza e diminuição das desigualdades devam ser exaltadas, os ganhos de bem-estar proporcionados devem ser vistos com cautela.

Pelo menos três argumentos sustentam uma visão mais cuidadosa. Em primeiro lugar, é preciso atentar para a explosão do consumo, em relação à poupança da população. Se o ganho de renda se transforma em boa parte em consumo e pouco em poupança, o sistema fica muito dependente de um ritmo intenso de expansão. Nesse contexto, quando vier a retranca, famílias inteiras podem voltar ao estado precário anterior. Se não houver poupança, os ganhos podem ser fulgazes.

Além disso, como sugere um estudo do Banco Mundial, famílias de renda baixa e média, especialmente na Argentina e no Brasil, estão consumindo bens com alta taxa de depreciação, como televisores e carros. Tais orçamentos familiares, segundo Yeyati, são particularmente vulneráveis se financiados por crédito bancário. Se o consumo cresce mais rápido que os ganhos, e os débitos a serem financiados se tornam cada vez maiores, orçamentos familiares podem acabar em uma situação pior do que antes da elevação da renda.

Finalmente, o talvez mais importante motivo para a cautela diz respeito às dúvidas sobre a elevação do bem-estar da população. Como diria Amartya Sen, não se trata somente de renda. Na mesma linha do economista indiano, Yeyati sugere que elevações de renda não devem ser tomadas necessariamente como aumento na qualidade de vida da população. Afinal, o mesmo trabalhador de classe média que hoje desfruta de uma renda maior, enfrenta os engarrafamentos gigantescos e os péssimos sistemas de transporte público das grandes cidades da região. Ele adquire planos de saúde para fugir do precário atendimento médico, dos sistemas públicos de saúde no continente, e paga pela educação dos filhos em escolas particulares, fugindo das instalações mal cuidadas e professores mal pagos dos sistemas educacionais latino-americanos, com algumas poucas exceções.

Para Yeyati, a provisão deficiente de bens públicos nas sociedades latino-americanas, como educação, saúde e segurança, é, nesse sentido, o outro lado da moeda da expansão econômica na região. Nesse contexto, subsídios e transferências estatais impulsionam ganhos privados de renda, inserindo novos consumidores no mercado capitalista do continente. Ao mesmo tempo, a permanência da incapacidade do Estado de prover bens públicos dificulta a transformação desses mesmos ganhos de renda em real elevação na qualidade de vida da população. Ou seja, no fim, ganha muito o mercado, um pouco o cidadão.
the welfare gains associated with this performance may prove to be weaker than hoped.
Read more at http://www.project-syndicate.org/commentary/the-illusion-of-emerging-countries--growing-middle-classes-by-eduardo-l--yeyati#bf3M5g8Hu85dL9mM.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A aventura do desenvolvimento

Morte de Marshall Berman, autor do clássico Tudo que é sólido desmancha no ar, traz reflexões sobre o processo brasileiro de modernização forçada.

Morreu no último dia 11 de setembro, em Nova York, o filósofo marxista, professor de Ciência Política nas universidades Harvard e Columbia, Marshall Berman. Autor do best-seller Tudo que é sólido desmancha no ar: A aventura da modernidade, publicado pela Companhia das Letras no Brasil no início dos anos 1980, Berman deixa um legado intelectual de forte conotação humanística e marcado por uma crítica cultural poderosa, que desvela processos como aqueles, por exemplo, embutidos no moderno desenvolvimento social e econômico brasileiro.

Afinal, como ressalta Perry Anderson, em resenha publicada na revista britânica New Left Review, em 1984, Tudo que é sólido desmancha no ar ressalta uma noção de "modernidade" como uma "experiência compartilhada". Nesse sentido, ser moderno é estar em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, transformação de nós mesmos e do mundo, mas também destruição de tudo que temos, sabemos e somos. Trata-se de um paradoxo que une os homens, uma união de desunião, uma unidade de desunidade, que nos coloca a todos em meio ao mal-estar da constante desintegração e renovação, luta e contradição, ambiguidade e angústia.

O que gera tudo isso? Para Berman, uma série de processos históricos sociais como as descobertas científicas, as reviravoltas da economia industrial, as transformações demográficas, a expansão urbana, os Estados nacionais, os movimentos de massa etc., todos concebidos, em última instância, no centro do mercado global capitalista, sempre em expansão, em constantemente ebulição. Nesse ambiente, surge uma enorme variedade de visões e ideias que colocam a todos como sujeitos e objetos da modernização, com o poder de transformar o mundo que transforma a todos, com o poder de pensar saídas, não importa o caos. Nesse sentido dialético, a modernidade não é vista como um processo econômico ou cultural, mas uma experiência histórica mediadora das relações entre os homens.

A partir dessa noção, foi possível para Berman, como bem sugere Perry Anderson, analisar a tensão existente entre "modernização" e "modernismo", tendo o "desenvolvimento" como elo de ligação entre os termos. Nesse sentido, o "desenvolvimento" é visto de duas maneiras. Por um lado, como um objetivo gigantesco de transformação da sociedade no contexto do mercado global capitalista, ou seja, o "desenvolvimento econômico". Por outro, uma transformação subjetiva engrandecedora do indivíduo, uma experiência de desenvolvimento pessoal, elevadora até mesmo da experiência humana na Terra.

Segundo Berman, a combinação dessas duas noções de desenvolvimento, no contexto compulsivo do mercado global capitalista, põe o indíviduo moderno em uma tensão permanente. Se, por um lado, foram postos abaixo o confinamento e as restrições do feudalismo, o imobilismo social e a tradição enclausurada, por meio de um imenso processo de destruição cultural, de hábitos e costumes previamente existentes, os mesmos processos suscitaram, por outro lado, uma sociedade brutalmente alienada e individualizada, calcada na exploração econômica e na indiferença social, com o poder de destruir qualquer valor cultural ou político criado por esta mesma sociedade, de modo cada vez mais rápido.

Com base em tal interpretação do desenvolvimento histórico moderno, Marshal Berman ressalta em sua obra pelo menos duas preocupações fundamentais, interligadas e particularmente interessantes na interpretação histórica do desenvolvimento (econômico) brasileiro. A primeira é com os processos forçados de modernização de cima para baixo, onde os Estados nacionais assumem papel de gerentes dos interesses econômicos, papel este legitimado pelo discurso democrático e calcado na alienação política das massas. A segunda é com uma visão de modernidade, para o bem ou para o mal, concebida como um monolito, como uma realidade incapaz de ser (politicamente) moldada ou modificada pelo cidadão.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Editora lança "O Brasil depois da Guerra Fria" na versão eBook

Obra está disponível para download no site da Livraria Cultura.

A Editora Apicuri acaba de lançar "O Brasil depois da Guerra Fria: Como a democracia transformou o país na virada do século" em versão eBook. Produzido em formato ePub, o livro eletrônico custa R$ 14 e é compatível com os aparelhos Android, iPhone, iPad, eReader e os sistemas OSX e Windows. Para o leitor, basta baixar gratuitamente o aplicativo de leitura Kobo, da Livraria Cultura.

Veja abaixo os comentários, sobre a obra, de Gustavo Franco, Moises Naim, Arthur Dapieve, entre outros:

“1989 é o assunto central desse precioso livro. Diferentemente de 1968, que se esgota em si mesmo, 1989 é o verdadeiro começo do século XXI. Ituassu nos revela de forma impressionante como o nosso cotidiano em 2012 tinha acabado de ser descoberto em 1989, uma espécie de revelação, depois de uma página virada. Na verdade, são diversas páginas arrancadas do livro: o socialismo ruiu, com toda a sua carga simbólica. No Brasil, verifica-se o colapso do desenvolvimentismo inflacionista e uma eleição presidencial que se repete desde então, onde se mesclam o velho e o novo e se inicia o debate sobre inflação, reformas, abertura, globalização e o tamanho do Estado. É possível dizer, conforme se vê pela crônica de 1989, que ali começou um novo ciclo, para o qual não parece haver desfecho. O livro de Arthur Ituassu é um raro e belo enunciado das origens esquecidas de nossos dilemas contemporâneos”, Gustavo H.B. Franco, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, presidente do Banco Central do Brasil entre 1997 e 1999.

“O mundo mudou em 1989, junto com ele o Brasil. Enquanto muito já foi escrito sobre as transformações globais geradas pelos eventos daquele ano, pouco se encontra sobre o impacto dessas mudanças no Brasil. Arthur Ituassu preenche essa lacuna com um livro brilhante, que se tornará referência obrigatória no tema", Moises Naim, pesquisador no Carnegie Endowment for International Peace, em Washington, colunista de Mundo da Folha de São Paulo.

"Com base em meticulosa pesquisa nos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, Arthur Ituassu mostra como 1989 foi um ano de crise e de oportunidade, no exterior e no Brasil. A queda do Muro de Berlim marcou o colapso dos regimes comunistas tutelados pela URSS e ofereceu a chance de os países do Leste europeu recuperarem suas identidades. A primeira eleição presidencial brasileira em um quarto de século assinalou não só o fim da ditadura implantada em 1964, mas também e sobretudo a falência do modelo isolacionista de (sub)desenvolvimento, além do início de um debate sobre o nível desejável de intervenção do Estado na economia. O mundo atingia um grau de interdependência – a expressão “globalização” logo se tornou pejorativa – inédito até então. Ituassu explica, sem recair em qualquer forma de reducionismo maniqueísta, como começou em 1989 o lento movimento de abertura do Brasil às nações amigas, que percorreu e percorre os governos Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula e Dilma", Arthur Dapieve, jornalista, editor, professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio.

“Para os que testemunharam o período, o livro de Arthur Ituassu é um generoso convite a rever esse tempo com suas múltiplas facetas e inacreditável potencial de mudança. Para os que por sua tenra idade ainda não acompanhavam as notícias ou para os que ainda nem faziam parte desse tempo, o livro é uma apresentação abrangente e instigante do cenário nacional e internacional da época. Para todos, uma oportunidade de pensar sobre o passado, o presente e o futuro do país”, Letícia Pinheiro, professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.

"Este livro reúne e comenta artigos publicados na imprensa brasileira, em 1989, o ano da virada, no Brasil e no mundo. Faz o levantamento dos temas que preocupavam políticos e analistas naquela época – a abertura econômica, o fim da Guerra Fria, a mudança no papel do Estado, a integração do Brasil no cenário mundial. É impressionante como estes comentadores, políticos e jornalistas, não conseguiram antecipar nada do cenário das duas décadas seguintes – a perda das ilusões, os conflitos gerados pela força crescente dos fundamentalismos, a destruição das Torres Gêmeas, o declínio da Europa. Estreiteza de visão de tantos analistas? Ou será que a imprevisibilidade faz parte da natureza das coisas políticas?", Eduardo Jardim, professor do Departamento de Filosofia da PUC-Rio, autor de Hannah Arendt, pensadora da crise e de um novo início.

"Em O Brasil depois da Guerra Fria, Arthur Ituassu oferece ao leitor que se viu envolvido pelo turbilhão de acontecimentos dos últimos anos do século XX a oportunidade de refletir sobre as transformações que atingiram o país em seu processo de redemocratização, em meio às mudanças que sacudiram o mundo. O livro é uma ferramenta fundamental também para que estudantes e jovens profissionais possam compreender os novos desafios que envolvem a consolidação da democracia política no país e sua integração em uma economia em que, cada vez mais, decisões locais terão repercussões planetárias", Mauro Silveira, jornalista e professor da PUC-Rio.

"Arthur Ituassu combina a formação acadêmica sólida em política e relações internacionais com a experiência jornalística para narrar, com maestria, as profundas transformações ocorridas no Brasil e no mundo a partir de 1989, ano que marca a confluência de várias tendências e o início de tantas outras, todas moldando a vida política das nações. Eventos e processos complexos – a redemocratização no Brasil e os desafios da estabilidade econômica, a globalização econômica e o fim da Guerra Fria, a força das ideias em seu tempo – vão-se entrelaçando e compondo um quadro indispensável para entender o mundo contemporâneo”, Braz Baracuhy, acadêmico e diplomata brasileiro em Pequim.  

"História, economia, política e mídia se encontram neste cuidadoso paralelo entre o mundo renascido dos escombros da Guerra Fria e o Brasil ávido por reformar o Estado paquidérmico e a economia agonizante", Carlos Alexandre, Correio Braziliense.

"Um paralelo vívido e instigante das mudanças na economia e na política no Brasil e no mundo na última década do século XX que, como mostra o autor, ajudaram a definir o ambiente político-econômico atual", Fernando Scheller, O Estado de São Paulo, autor de Paquistão, viagem à terra dos puros

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Representação na linha de fogo

Nos próximos 120 dias, Congresso americano decidirá temas-chave da política nos EUA, com os piores índices de credibilidade da instituição nos últimos 20 anos.

Como mostra a análise de Mike Allen e Jim Vandehei, no Politico.com, além da intervenção na Síria, o Capitol terá que discutir, nos próximos meses, o orçamento da defesa, os gastos do governo Obama, a dívida interna, a sucessão no Banco Central, a questão da imigração e os custos e benefícios do Ato de Proteção e Cuidados Acessíveis ao Paciente (Patient Protection and Affordable Care Act), plano para a saúde pública americana lançado por Obama e conhecido como Obamacare.

Tanta responsabilidade, afirmam os autores, e um Congresso em tão baixa conta. Segundo uma pesquisa do Pew publicada no início do ano, apenas 23% dos americanos afirmam ter uma opinião positiva sobre o Capitol, o mais baixo índice nos últimos 20 anos. Como sugere o gráfico acima, entre 2009 e 2013 houve uma queda de credibilidade do Congresso americano em mais ou menos 25 pontos.

Na verdade, boa parte dos regimes democráticos experimentam, já há algum tempo, índices baixos de credibilidade das suas instituições. De acordo com o Eurobarômetro, em pesquisa de 1996, por exemplo, apenas 42% dos entrevistados na União Europeia confiavam em seus respectivos parlamentos e somente 39%, nos governos nacionais. Perguntados, na mesma pesquisa, sobre o grau de influência do cidadão nas decisões, 36% dos entrevistados responderam “não muita” e 38%, “nenhuma”.

No Brasil não ocorre diferente. Sondagem do Latinobarômetro afirma que, em 2010, apenas 43% dos brasileiros concordariam com a ideia de que "sem Congresso não há democracia". O índice foi, na época, o segundo pior entre todos os país da América Latina, três pontos apenas melhor que o do Equador (40%).

Na mesma direção, segundo o Latinobarometro, apenas 44% dos brasileiros concordariam em 2010 que "sem partidos não há democracia", o terceiro pior índice entre as nações latino-americanas, dois pontos apenas melhor que os números de Panamá e Equador.