quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Diplomacia presidencial

Observatório Político Sul-Americano analisa a politização da política externa brasileira nos governos FHC, Lula e Dilma.

De autoria da professora Maria Regina Soares de Lima (UERJ), um dos principais nomes do país no campo da política externa brasileira e das relações internacionais, e de Rubens Duarte, que cursa atualmente seu doutorado na Universidade de Birmingham, o Observatório Político Sul-Americano (OPSA) publicou agora em novembro uma interessante análise comparativa da diplomacia dos governos FHC e Lula/Dilma. Mais que apontar diferenças, o texto reforça a ideia de que em regimes democráticos, para o bem ou para o mal, a política externa é sempre politizada, "refletindo as orientações político-ideológicas do governo de turno".

Os autores partem da crítica que é feita à diplomacia dos governos Lula e Dilma, que estaria marcada, segundo a oposição e a "mídia conservadora", por um "viés ideológico". Tal característica, ainda segundo os críticos, se mostraria claramente na "branda reação" à nacionalização da refinaria da Petrobrás na Bolívia por Evo Morales; na entrada da Venezuela no Mercosul; no afastamento do Paraguai; na contratação de médicos cubanos; e no episódio de "'fuga' cinematográfica do senador Roger Molina, asilado na embaixada brasileira".

Além disso, Lima e Duarte ressaltam que muitas vezes um "argumento binário" pauta a crítica à aproximação que a diplomacia Lula, em especial, desenvolveu em relação aos países da América do Sul, África e Ásia. Para os autores, a crítica tem por base a falácia de que, ao enfatizar as relações com o Sul ou com países progressistas na América do Sul, "a política externa petista estaria se afastando dos países do Norte, de tradição democrático-liberal".

Como afirma o texto, esta interpretação da partidarização da política externa revela "um sentimento tecnocrático", calcado na ideia de que haveria um "interesse nacional" objetivo que pudesse ser perseguido sem a influência das orientações político-ideológicas do governo em posse do Executivo, algo sem sentido do ponto de vista epistemológico. Na democracia, escrevem os autores com precisão, "mesmo que os compromissos internacionais assumidos por qualquer governo democrático não devam ser revertidos a cada mudança de governo, sob pena do país perder sua credibilidade face aos parceiros externos, existe sempre alguma latitude para que governos eleitos possam incluir temas de política externa em suas plataformas eleitorais".

Da mesma forma que as orientações estratégicas do governo Lula - que eleva a participação do país nas relações econômicas internacionais e na discussão dos grandes problemas mundiais, "ressaltando os efeitos da 'globalização assimétrica' e a desigualdade entre as nações" -, a política externa do governo FHC também esteve alinhada aos objetivos políticos do partido deste presidente ao priorizar os processos de estabilização econômica e reforma do Estado, a inserção competitiva e a modernização produtiva. Nesse contexto, a diplomacia, como lembram os autores, teve o papel de restaurar a credibilidade econômica e política do país, uma agenda presente no debate político brasileiro pelo menos desde as eleições de 1989 e que se traduziu na adesão do Brasil aos regimes internacionais vigentes de comércio, direitos humanos, meio ambiente, controle nuclear e de tecnologia de mísseis.

Além da democracia, os autores ainda ressaltam a importância da presidencialização da política externa brasileira, que também acaba favorecendo a politização da diplomacia em detrimento da autonomia do Itamaraty. É o que Jeffrey Cason e Timothy Power caracterizam, segundo Lima e Duarte, como o "papel direto e crescente do presidente na política externa". Para os pesquisadores do OPSA, a presidencialização da política externa é resultado não apenas da "centralidade do presidente da República no estabelecimento da agenda política da nação", como do fato de que, em última instância, "os atos de escolha e demissão de seus ministros são de sua estrita competência".

No que diz respeito à polítização da política externo no regime democrático brasileiro e à inadequação da crítica que ressalta o "viés ideológico" da diplomacia Lula e Dilma, o artigo de Maria Regina Soares de Lima e Rubens Duarte soa perfeito. No entanto, o texto parece, de alguma forma, celebrar a estratégia petista em detrimento da atuação tucana no campo, uma interpretação que, ao meu ver, deve vir acompanhada de uma análise histórica contextual. Nesse caso, a pergunta que fica é: sem as ações de estabilização e atualização da agenda implementadas anteriormente teria sido possível o desenvolvimento de uma estratégia mais assertiva de política externa no governo Lula? Dificilmente.

Além disso, a ação estratégica internacional do Brasil durante a Presidência Lula, em especial, pode ser criticada de outras maneiras que não aquela calcada no argumento do "viés ideológico". Ou seja, novamente pergunta-se: talvez não tenham dado os autores importância demais a uma crítica desprovida de qualquer fundamento mínimo de sustentação?

O professor Rob Walker, por exemplo, faz críticas bastante contundentes à política externa de Lula por outros parâmetros, bem mais sofisticados. Segundo ele, como já reproduzido anteriormente neste blog, o conceito de multipolaridade pode ser muito útil, mas não se pensado como no século XIX: "É nesse sentido que deveríamos prestar atenção ao pluralismo. O plural, por si só, não é algo necessariamente positivo. É preciso ter muita atenção sobre como o plural está sendo pensado. Por um lado, pode-se fazer muita coisa interessante com o termo, em prol do entendimento de novas formas de distribuição de poder e da autoridade. Por outro, o discurso predominante sobre o tema reproduz formas muito antigas e perigosas da velha política de poder bismarkiana. Nesse ponto em particular, a contribuição da política externa brasileira para o sistema internacional é, no mínimo, discutível, não parecendo mais que uma imitação da Alemanha de Bismarck".

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